terça-feira, 2 de novembro de 2010

DIFERENÇAS ENTRE VERSO E PROSA

Quando a língua ultrapassa a sua função essencialmente comunicativa e se torna, ela própria, a matéria-prima para uma obra de arte, tem-se como resultado o texto literário. "Essa aplicação artística da língua é espontânea e se encontra em todas as sociedades, mesmo as mais rudimentares." (Mattoso Câmara Jr., 1996)
Para caracterizar a atividade literária como essencialmente poética, Mattoso Câmara Jr. afirma: "A poética é a atividade lingüística que tem um objetivo de arte e procura criar com a linguagem um estado psíquico de emoção estética por meio da aplicação sistemática de processos de estilística. (...) A expressão lingüística tende a organizar-se em frases ritmadas, na base da entonação, do número de sílabas, da distribuição mais ou menos regular das sílabas acentuadas, constituindo-se séries de versos; mas a POESIA, ou atividade poética em sentido lato, se faz também em PROSA, isto é, sem essa organização rítmica das frases."
Várias são as possibilidades de exploração da linguagem com esta função poética: no material sonoro, nas palavras, na associação de idéias, nas construções frasais. Para isto utilizam-se o ritmo, a harmonia imitativa, a rima, a aliteração, as figuras de palavras, as figuras de pensamento, as figuras de sintaxe.
A poesia pode se manifestar tanto em forma de prosa quanto em forma de verso. A poesia é a qualidade particular de tudo o que toca o espírito, provocando emoção e prazer estético. Embora no uso comum a palavra poesia seja utilizada para nomear o texto literário em forma de verso, a poesia não se confunde com poema, que "é a fixação material da poesia, é a decantação formal do estado lírico. São as palavras, os versos e as estrofes que se dizem e que se escrevem, e assim fixam e transmitem o estado lírico do poeta." (Antonio Soares Amora, in Língua, literatura e redação, de J.D.Maia)
A poesia pode ainda ser encontrada em outras manifestações artísticas, como a pintura, a música, a dança, etc. O prazer estético é o que sentimos ao ler um texto poético, ao observar um quadro, ao ouvir uma música, quando nos sensibilizamos e experimentamos um estado emotivo ou lírico.
Um texto literário pode ser produzido em prosa ou verso: prosa é um discurso contínuo, não fragmentado, organizado em períodos e parágrafos; verso é uma sucessão de sílabas ou fonemas formando uma unidade rítmica e melódica que corresponde, normalmente, a uma linha do poema. Algumas diferenças entre prosa e verso poderiam ser assim resumidas:
  • na prosa há uma tendência à ordem direta na estruturação dos termos do período; no verso há uma tendência à ordem indireta;
  • na prosa a rima é pouco freqüente, enquanto no verso ela é muito utilizada, apesar de não ser obrigatória;
  • na prosa o ritmo acompanha a naturalidade da fala, enquanto no verso o ritmo é marcante e existe preocupação com a métrica;
  • no verso é maior a preocupação com a realização de seqüências melódicas do que na prosa.
Nos dois textos abaixo, um em prosa, outro em verso, o tema é a televisão. Entretanto, cada um tem suas características próprias, como apontaremos mais adiante.
Texto 26
"Mas muito lhe será perdoado [à TV] pela sua ajuda aos doentes, aos velhos, aos solitários. Na grande cidade - num apartamento de quarto e sala, num casebre de subúrbio, numa orgulhosa mansão, a criatura solitária tem nela a grande distração, o grande consolo, a grande companhia. Ela instala dentro de sua toca humilde o tumulto e o frêmito de mil vidas, a emoção, o suspense, a fascinação dos dramas do mundo."
(Rubem Braga. Ela tem alma de pomba. Revista Veja, nº. 447)
Texto 27
A televisão
O homem da rua
Fica só por teimosia
Não encontra companhia
Mas pra casa não vai não
Em casa a roda
Já mudou, qua a roda muda
A roda é triste a roda é muda
Em volta lá da televisão
No céu a lua
Surge grande e muito prosa
Dá uma volta graciosa
Pra chamar as atenções
O homem da rua
Que da lua está distante
Por ser nego bem falante
Fala só com seus botões
O homem da rua
Com seu tamborim calado
Já pode esperar sentado
Sua escola não vem não
A sua gente
Está aprendendo humildemente
Um batuque diferente
Que vem lá da televisão
No céu a lua
Que não estava no programa
Cheia e nua, chega e chama
Pra mostrar evoluções
O homem da rua
Não percebe o seu chamego
E por falta doutro nego
Samba só com seus botões
Os namorados
Já dispensam o seu namoro
Quem quer riso, quem quer choro
Não faz mais esforço não
E a própria vida
Ainda vai sentar sentida
Vendo a vida mais vivida
Que vem lá da televisão
O homem da rua
Por ser nego conformado
Deixa a lua ali de lado
E vai ligar os seus botões
No céu a lua
Encabulada e já minguando
Numa nuvem se ocultando
Vai de volta pros sertões.
(Chico Buarque de Holanda)
Comentários sobre o Texto 26
Neste texto, o referente, a televisão, é designado como um meio de ajuda, de companhia a muitas pessoas. O parágrafo é extraído de um contexto maior, que pode ajudar a entender o sentido mais amplo das idéias colocadas.
As orações são coordenadas, mas a ordem não é necessariamente a ordem direta. Os termos também são coordenados entre si, encadeando-se de forma objetiva. Os vocábulos são utilizados no seu sentido referencial.
Do ponto de vista da construção, o texto não contém elementos inesperados que exijam do leitor uma reflexão mais profunda. A linguagem é referencial e serve como suporte de uma argumentação.
Comentários sobre o Texto 27
Este texto se apresenta como um todo autônomo, independente de um contexto mais amplo para ter significação. Embora a disposição das linhas seja em versos, não existe uma metrificação regular. Algumas repetições de palavras contribuem para o ritmo e para as significações de desânimo, impotência diante do poder da televisão.
A palavra botões, combinada primeiro com o verbo falar (Fala só com seus botões e Samba só com seus botões), mostra a solidão do homem; mais adiante, combinada com o verbo ligar (E vai ligar os seus botões), mostra a rendição do homem ante o fascínio da televisão. As conversas, o namoro, a dança, atividades que pressupõem mais de uma pessoa, são substituídas pela tela da televisão, numa atividade isolada e solitária.
Mostramos aqui algumas diferenças entre o texto em prosa e o texto em verso. Mas é bom ressaltar que um texto em prosa pode ser também um texto poético, desde que nele o autor utilize alguns recursos da linguagem. A prosa se caracteriza sobretudo pela predominância da função referencial da linguagem. Não é suficiente contrapor verso e prosa com a finalidade de diferenciar poesia de poema.
O exame cuidadoso de um texto em prosa (não-literário) vai nos mostrar que o ritmo acompanha a naturalidade da fala, que ele é contínuo, é passível de ser resumido, visa a uma recepção mais ampla, tentando falar a todos, convencer, informar e mesmo servir de lazer. Já um texto poético, em prosa ou em verso, vai apontar um ritmo trabalhado, marcado pelas sonoridades; trata-se de um texto não-resumível, mais irracional, que apela para os sentimentos e que visa a encontrar no leitor um cúmplice que estebeleça com o texto uma identidade de sentimentos.

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